
A Vontade Suprema
À luz dessa progressiva manifestação do Espírito, a princípio aparentemente engolfada na
Ignorância, depois livre no poder e sabedoria do Infinito, podemos melhor compreender a grande e
culminante injunção do Gita ao Karmayogi: "Abandona todos os Dharmas, todos os princípios e leis e
regras de conduta, refugia-te em Mim somente". Todos os padrões e regras são construções temporárias,
fundadas nas necessidades do ego em sua transição da Matéria para o Espírito. Estes expedientes têm
uma relativa imposição enquanto ficamos satisfeitos nos estágios de transição, contentes com a vida física
e vital, apegados ao movimento mental, ou mesmo fixos nas esferas do plano mental tocadas pelo brilho
espiritual. Porém, além está a vastidão sem barreiras da consciência supramental infinita, onde cessam
todas as estruturas temporais. Não é possível entrar inteiramente na verdade espiritual do Eterno e do
Infinito se não tivermos a fé e a coragem de nos confiarmos nas mãos do Senhor de todas as coisas e
Amigo de todas as criaturas, e deixarmos para trás, completamente, nossos limites e medidas mentais. Em
um dado momento, devemos mergulhar, sem hesitação, reserva ou medo ou escrúpulo dentro do oceano
do livre, do infinito, do Absoluto. Depois da Lei, a Liberdade, depois dos padrões do pessoal, do geral, do
universal, existe ainda algo maior, a plasticidade impessoal, a liberdade divina, a força transcendente e o
impulso superno. Depois do caminho estreito da ascensão, o vasto planalto do ápice.
Há três estágios da ascensão - no fundo, a vida corpórea escravizada à pressão da necessidade e do
desejo; no meio, a regra do mental, do emocional mais elevado e do psíquico, que procura maiores
interesses, aspirações, experiências e idéias, e no cume, primeiro um psíquico e um estado espiritual mais
profundos e depois a consciência supramental eterna, na qual toda nossa aspiração e buscas descobrem
seu próprio significado íntimo. Na vida corpórea, primeiro o desejo e a necessidade, depois o bem realizável
do indivíduo e da sociedade são o motivo imperante, a força dominante. Na vida mental, são as idéias e as
regras ideais, idéias que são meia-luzes usando a vestimenta da Verdade, idéias formadas pela mente
como um resultado de uma crescente intuição e experiência, embora ainda imperfeitas. Sempre que a vida
mental prevalece e a corpórea diminui sua brutal insistência, o homem, o ser mental, sente-se empurrado
pela pressão da Natureza mental para moldar a vida do indivíduo no sentido da idéia ou do ideal, e no fim,
mesmo a vida mais complexa e mais vaga da sociedade é forçada a se submeter a este sutil processo. Na
vida espiritual, ou quando um poder mais alto que a Mente tiver se manifestado e possuído a natureza,
estas forças-motivo limitadas retrocedem, definham, tendem a desaparecer. O Eu espiritual ou supramental,
o Ser Divino, a Realidade suprema e imanente, deve ser unicamente o Senhor dentro de nós e deve moldar
livremente nosso desenvolvimento final, de acordo com a mais elevada, a mais vasta, a mais integral
expressão possível da lei de nossa natureza. No fim, essa natureza age na Verdade perfeita e na liberdade
espontânea, porque ela obedece apenas ao poder luminoso do Eterno. O indivíduo não tem nada mais a
ganhar, nenhum desejo para realizar; ele tornou-se uma porção da impersonalidade ou personalidade
universal do Eterno. Nenhum outro objetivo que a manifestação e jogo do Espírito na vida e a manutenção e
conduta do mundo em sua marcha para o objetivo final divino pode obrigá-lo à ação. Idéias, opiniões e
construções mentais não são mais suas, porque sua mente entrou em silêncio, ela é apenas um canal para
a Luz e a Verdade do conhecimento divino. Ideais são muito estreitos para a vastidão de seu espírito; é o
oceano do Infinito que flui através dele e o move para sempre.
Sri Aurobindo
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